A relação com o Estado não é, como acabamos de ver, o que define a política. Nesse sentido, a política se dá “à distância” do Estado. Porém, estrategicamente, o Estado deve ser quebrado, porque é o guardião universal da via capitalista, especialmente porque é a polícia do direito à propriedade privada dos meios de produção e troca. Como disseram os revolucionários chineses durante a Revolução Cultural, devemos “romper com a lei burguesa”. Portanto, a ação política em relação ao Estado é uma mistura de distância e negatividade. O objetivo é, na realidade, que o Estado seja gradualmente cercado por opiniões hostis e lugares políticos que se tornaram estranhos a ele.
Comentário. O registro histórico desse caso é muito complexo. Por exemplo, a Revolução Russa de 1917 certamente combinou uma ampla hostilidade ao regime czarista, inclusive no campesinato por causa da guerra, uma preparação ideológica intensa e de longa data, sobretudo nas camadas intelectuais, revoltas operárias que conduzem a verdadeiras organizações de massas, chamadas sovietes, revoltas militares e a existência, com os bolcheviques, de uma organização sólida e diversificada, capaz de sustentar reuniões com oradores de destaque por sua convicção e seu talento didático. Tudo isso foi amarrado em insurgências vitoriosas e uma terrível guerra civil finalmente vencida pelo campo revolucionário, apesar da maciça intervenção estrangeira. A revolução chinesa seguiu um curso totalmente diferente: uma longa marcha no campo, a formação de assembleias populares, um verdadeiro Exército Vermelho, a ocupação duradoura de uma área remota no norte do país, onde a reforma agrária e produtiva pudesse ser vivenciada ao mesmo tempo que se consolidava o exército, todo esse processo durante cerca de trinta anos. Além disso, no lugar do terror stalinista da década de 1930, houve um levante de massas na China, estudantes e trabalhadores, contra a aristocracia do Partido Comunista. Esse movimento sem precedentes, denominado Revolução Cultural Proletária, é para nós o exemplo mais recente de uma política de confronto direto com as figuras do poder do Estado. Nada disso pode ser transposto para a nossa situação. Mas uma lição percorre toda esta aventura: o Estado não pode de forma alguma, seja qual for a sua forma, representar ou definir a política de emancipação.
A dialética completa de toda verdadeira política tem quatro termos:
1 – A ideia estratégica da luta entre as duas vias, a comunista e a capitalista. Isso é o que Mao chamou de “preparação ideológica da opinião”, sem a qual, disse ele, a política revolucionária é impossível.
2 – Investimento local desta Ideia ou princípio pela organização, na forma de trabalho de massa. A circulação descentralizada de tudo que emerge deste trabalho em termos de palavras de ordens e experiências práticas vitoriosas.
3 – Movimentos populares, na forma de eventos históricos, nos quais a organização política trabalha tanto para sua unidade negativa quanto para o refinamento de sua determinação afirmativa.
4 – O Estado, cujo poder deve ser quebrado, por confronto ou cerco, se for dos representantes autorizados do capitalismo. E se veio da via comunista, definhar, se for necessário pelos meios revolucionários esboçados em desordem fatal pela Revolução Cultural chinesa.
Inventar na situação o arranjo contemporâneo desses quatro termos é o problema, ao mesmo tempo prático e teórico, de nossa conjuntura.
Tese 13
A situação do capitalismo contemporâneo envolve uma espécie de separação entre a globalização do mercado e o caráter ainda amplamente nacional do controle policial e militar das populações. Em outras palavras: há uma lacuna entre a disposição econômica das coisas, que é global, e sua necessária proteção estatal, que permanece nacional. O segundo aspecto ressuscita rivalidades imperialistas, mas em outras formas. Apesar dessa mudança de forma, o risco de guerra aumenta. Além disso, a guerra já está presente em grandes partes do mundo. A política por vir também terá a tarefa, se puder, de prevenir a eclosão de uma guerra total, que desta vez pode colocar em risco a existência da humanidade. Também podemos dizer que a escolha histórica é: ou a humanidade rompe com o Neolítico contemporâneo que é o capitalismo e abre sua fase comunista em escala global; ou então permanece em sua fase Neolítica, e estará fortemente exposta a perecer em uma guerra atômica.
Comentário. Hoje, as grandes potências, por um lado, procuram colaborar para a estabilidade dos negócios a nível global, nomeadamente lutando contra o proteccionismo, mas por outro lado lutam silenciosamente pela sua hegemonia. O resultado é o fim das práticas diretamente coloniais, como as da França ou da Inglaterra no século 19, ou seja, a ocupação militar e administrativa de países inteiros. A nova prática, proponho chamá-la de zoneamento: em áreas inteiras (Iraque, Síria, Líbia, Afeganistão, Nigéria, Mali, África Central, Congo …), os Estados são minados, destruídos e a área torna-se uma zona de saque, aberta a bandos armados e também a todos os predadores capitalistas do planeta. Ou então o Estado é formado por empresários que têm mil vínculos com as grandes companhias do mercado mundial. As rivalidades estão entrelaçadas em vastos territórios, com relações de poder em constante mudança. Sob essas condições, um incidente militar não controlado seria suficiente para nos trazer repentinamente à beira da guerra. Os blocos já estão traçados: Estados Unidos e sua camarilha “ocidental-japonesa” de um lado, China e Rússia do outro, armas atômicas por toda parte. Só podemos nos lembrar da frase de Lênin: “Ou a revolução impedirá a guerra, ou a guerra provocará a revolução.”
Poder-se-ia, assim, definir a ambição máxima do trabalho político por vir: que pela primeira vez na história, é a primeira hipótese – a revolução impedirá a guerra – que se realiza, e não a segunda – a guerra causará a revolução. Na verdade, é esta segunda hipótese que se materializou na Rússia no contexto da Primeira Guerra Mundial e na China no contexto da Segunda Guerra Mundial. Mas a que custo! E com que consequências a longo prazo!
Com esperança, agiremos. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode começar a fazer política de verdade, como é entendido neste texto. E falar, por sua vez, ao seu redor, sobre o que foi feito. É assim que tudo começa.
*É professor aposentado da Universidade de Paris-VIII. Autor, entre outros livros, de A aventura da filosofia francesa no século XX (Autêntica).
Tradução: Diogo Fagundes para o site LavraPalavra.
Publicado originalmente no livro Je vous sais si nombreux (Paris, Fayard, 2017)